A suspeita de carbureto no tucumã levou à suspensão da venda do
fruto em Parintins
O resultado do exame
feito em mostras de tucumã no Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen), em
Manaus, aponta que a morte da estudante Karina Fonseca da Silva, 17, em 26 de
agosto, no hospital Padre Colombo, não foi causada após o consumo da fruta que
possivelmente teria amadurecido com ajuda de carbureto e nem por bactérias.
Além de Karina, 16 pessoas que teriam consumido tucumã, passaram mal e foram
atendidas nos hospitais de Parintins.
A informação foi
divulgada na tarde de sexta-feira (13), em uma matéria da jornalista Elaíze Farias, no Blog
do Marcos Santos. Segundo a matéria, os dados foram repassados pelo
diretor-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), Bernardino
Albuquerque, após conclusão da análise de exames feitos nas amostras dos
tucumãs, coletados na feira onde a estudante teria comprado o produto.
A suspeita que recaiu
sobre o tucumã, levou a Vigilância em Saúde, a proibir a comercialização de
tucumãs em Parintins. Na entrevista exclusiva ao blog, o diretor-presidente do
Lacen afirmou, “não há nada que comprove que o tucumã foi o causador da morte e
da infecção nos pacientes”.
FVS
Bernardino afirmou que
uma equipe enviada pela FVS a Parintins já havia descartado o uso do carbureto
(composto químico usado para acelerar o amadurecimento de frutas) nos tucumãs
comercializados na feira onde a moça teria adquirido os frutos. A equipe fez um
trabalho minucioso de investigação da origem dos frutos, indo até a agrovila do
Caburi, onde os tucumãs foram coletados, chegando ao comprador e o vendedor dos
frutos, na Feira ZezitoAssayag. A equipe também visitou a casa de cada um dos
doentes (além da família de Karina), e constatou que os frutos amadureceram
naturalmente.
A outra hipótese da
causa da morte da moça e da infecção das outras pessoas seria a presença de
bactérias causadoras de infecção. Para isso, foi feito exame nas amostras de
sangue de todos os pacientes, já que havia a suspeita de que todos teriam
sofrido uma infecção alimentar após consumo de tucumã. Segundo Albuquerque, nos
exames não foi detectado as bactérias estafilococos, salmonelas, shiguella,
bacillus-cereus e e.coli causadoras de infecção.
“Durante a investigação se constatou que as
primeiras ocorrências dos sintomas (da infecção) se deram em cerca de três
horas após a ingestão do alimento. Foi no lanche da tarde, quando eles também
comeram farinha, café, leite e alguns ingeriram pão. A infecção poderia
acontecer por algum alimento contaminado por bactéria, mas todos os resultados
feitos nos tucumãs deram negativo. A única verme que cresceu em quantidade
muito pequena foi de fungos, mas não justifica a situação encontrada nos
pacientes”, disse Albuquerque.
Bactéria
A possibilidade de ter
sido bactéria também já havia sido afastada, pois se descobriu que Karina e os
demais pacientes comeram o tucumã in natura. Para Bernardino, diante dos
resultados, “não há como definir ou ir, além disso,” sobre o que causou a morte
da moça, já que também não foi feito exame de sangue nela.
No período da primeira
internação de Karina, no Hospital Jofre Cohen, a família retirou a moça antes
de quaisquer exames mais aprofundados. Na segunda internação, no Hospital Padre
Colombo, também não foi feito exame para se chegar com precisão à causa da
morte. “A suspeita de que foi o tucumã a causa da morte não foi confirmada.
Pode ter sido outro alimento”, disse ele. Perguntado se uma exumação para autópsia
e obter alguma resposta, ele disse que “se foi bactéria, esta matéria já
morreu”.
Repercussão
A morte de Karina
Fonseca causou comoção e alvoroço em Parintins. A associação da morte ao
carbureto no tucumã levou a uma mobilização por parte dos agentes públicos de
saúde do município com a proibição da venda do tucumã na cidade e o
recolhimento dos que já estavam sendo comercializados.
O secretário de
produção e abastecimento do município, Samarone Moura, disse ao blog que a
venda direta do tucumã caiu 30%. Um levantamento completo ainda está sendo
feito para atestar com mais detalhes os prejuízos. “Os feirantes vivem disso,
eles tiveram uma perda muito grande”, disse.
Para Moura, um exame
que atestasse com precisão a causa da morte de Karina poderia ter evitado a
repercussão negativa contra o consumo do fruto. “Não se pode afirmar uma coisa
baseada apenas nos sintomas. Deveria ter sido feito um laudo pericial em cima
de uma necropsia, por exemplo. Fica difícil afirmar sem um laudo comprovativo”,
disse.
Legista
O atestado de óbito de
Karina Fonseca, assinado pelo médico legista Jorge de Paula, indica como causa
“intoxicação exógena (contaminação por alguma substância tóxica) e
desequilíbrio hidroeletrolítico (desidratação)”. Para ele, Karina morreu pela
ingestão de fruto contaminado.
Em entrevista ao blog,
Jorge de Paula disse que se baseou no histórico clínico e nas condições físicas
de Karina. “As evidências são altamente pelo consumo do tucumã. Ela estava com
todos os sinais de uma doença que confirmam uma intoxicação. Tinha as orelhas
roxas, leitos das mãos escurecidas, unhas roxas, orelhas roxas”, disse o
legista. Indagado por que não optou por uma autópsia, Jorge de Paula disse que
“não era necessário, pois já estava confirmado que foi intoxicação”.
Sintomas
A “culpa” atribuída ao
tucumã ocorreu somente após a sua segunda internação, quando outros pacientes
foram atendidos (alguns em emergência, outros hospitalizados) no Hospital Padre
Colombo.
A secretária municipal
de saúde, Maria do Desterro, disse que quando Karina deu entrada no Padre
Colombo, no dia 26 (data de seu falecimento) foi perguntado se ela havia comido
tucumã, pois outros pacientes foram atendidos com os mesmos sintomas. Segundo
Maria, “a família ainda não havia atentado para essa possibilidade”.
A partir das conexões
entre os sintomas de Karina e dos demais pacientes, surgiu a suspeita do tucumã
ter sido a causa das infecções, pois todos os doentes haviam comido frutos
comprados na mesma feira. Alguns sintomas, porém, foram identificados apenas em
Karina, como o fato de ela estar extremamente pálida e fazendo fezes com
sangue.
“A Karina estava com
diarreia com sangue e vômito. Ela havia sido hospitalizada no Jofre Cohen, mas
a família havia pedido alta. A assistente social esteve na casa deles e em
nenhum momento disseram que fizeram isso por causa de algum descaso que a moça
sofreu no hospital. Então ela foi para casa no domingo (25), mas passou a
perder muito líquido. Foi quando a família a levou para o Padre Colombo. Com a
piora, ela chegou a ser preparada para ser enviada para Manaus, mas faleceu”,
disse.
Exame
não realizado
O coordenador de
vigilância epidemiológica de Parintins, Sipriano Coelho, confirmou que não foi
coletado exame de sangue em Karina no Hospital Padre Colombo, apesar de ter
sido solicitado pelo órgão. “A gente pediu, mas não sei o que aconteceu. Alguns
enfermeiros disseram que não daria, pois não estavam conseguindo aplicar a
agulha na veia dela. Outros disseram que estava muito avançado”, disse, se
referindo à gravidade da saúde dela. A questão é que quando a Karina foi tirada
do Jofre Cohen pela família ela não estava bem. Quando foi para o Padre Colombo
estava bastante debilitada, sentindo muita cólica, diarreia constante e dor de
cabeça”, disse.
Segundo Coelho, após e
o episódio da morte e da alta dos demais pacientes, não houve mais registro de
intoxicação na cidade. Ele afirmou que a venda do tucumã não está mais
proibida, mas que há orientação quanto a “precaução”.
Polêmica
A polêmica envolvendo a
morte de Karina atingiu até mesmo o diretor do Hospital Jofre Cohen, Oswaldo
Ferreira. Ao blog, ele disse que a família insinuou em entrevistas dadas a
programas de rádio que houve negligência médica, o que foi descartada por ele.
Segundo Ferreira,
quando foi internada no Jofre Cohen e após exames de rotina (sangue, fezes,
urina), constatou-se que Karina estava com gastroenterite. Em nenhum momento,
segundo ele, a família citou que ela havia comido tucumã. No primeiro dia de
internação, Karina teve melhora, mas no segundo a situação se reverteu. “Eu
solicitei o parecer do médico que a atendia, mas isto não chegou a ser feito,
pois a família retirou a paciente do hospital alegando que ela não estava
recebendo o tratamento correto. A partir deste momento, cessou a responsabilidade
do Jofre Cohen”, disse.
A reportagem não
conseguiu falar com o delegado de Parintins que acompanha o caso e nem com a
família de Karina.
Chance
remota
O uso do carbureto
(fusão do cal com o carvão em alta temperatura e pressão) no amadurecimento das
frutas é mais comum do que se imagina, mas não há registro de óbitos causados
pelo consumo, segundo o pesquisador da Embrapa no Amazonas, Jeferson Macedo. O
órgão de pesquisa já acompanha o uso controlado do carbureto para uniformizar a
maturação da banana, prática, no caso da banana, recomendada pela Embrapa.
No tucumã o carbureto
vem sendo utilizado para acelerar o amadurecimento do fruto. A razão desta
medida ocorre porque a demanda do tucumã é maior que a oferta, já que 99% da
coleta é de origem extrativista. O uso do carbureto no amadurecimento do tucumã
ocorre de maneira artesanal. O comerciante joga uma pedrinha de aproximadamente
dez gramas de carbureto em um saco cheio de tucumãs e os deixa armazenados. No
dia seguinte, o fruto está pronto para consumo. Em contato com a umidade dos
frutos, o carbureto libera o gás acetileno. É o acetileno que promove a
maturação rápida dos frutos. O gás não fica impregnado no fruto e vai sendo
diluído pelo ar.
“A chance de alguém
morrer por causa do carbureto é muito remota. Só se alguém ficasse trancado em
uma sala exalando uma grande quantidade de gás e se a pessoa tomasse uma sopa
de carbureto”, disse.
Investigação
Para Jeferson, seria
necessária uma investigação mais apurada no episódio ocorrido em Parintins
antes de se atribuir a causa ao tucumã. “Me parece que há outros fatores que
não estão bem elucidados. Mas preferiram atribuir a culpa ao produto. Todo
mundo gosta de tucumã. Talvez seja um momento para reflexões”, disse.
A Secretaria de
Produção e Abastecimento do município de Parintins contabilizou uma queda de
30% nas vendas do tucumã, prejudicando uma das principais cadeias extrativistas
do município. Conforme dados da Embrapa, o tucumã de Parintins abastece várias
cidades do Amazonas, incluindo Manaus.
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